Coimbra dos amores, Coimbra dos doutores: obrigado
por Pedro Rodrigues
No início
vi-te como uma prisão. Afastavas-me de tudo o que mais gostava. Eras a
personificação de todos os males. Julgava-te causadora de infelicidades
extremas e cólicas de saudades. Amaldiçoava o dia em que era obrigado a
retornar aos teus braços e, ao chegar, contava os segundos que faltavam para partir.
De certa forma, fazias-me sentir deslocado. Obrigavas-me a crescer todos os dias.
Agora, a mãe não estava para me fazer o almoço, ou o jantar; o pó não
desaparecia por magia e acumulava-se a uma velocidade vertiginosa; as
constipações pareciam operações ao apêndice e, só o ligeiro pensamento de uma
operação desse género, era sinónimo de noites e noites de insónias. Fizeste de
mim homem, e se queres que te seja sincero, não sei quando é que tudo mudou
entre nós. Hoje sinto-nos numa sintonia perfeita. A verdade é que cresceste em
mim, e eu cresci contigo. A verdade é que és um casulo onde entramos meninos e
saímos homens.
Custa-me
ouvir-te falada nas bocas dos outros como uma cidade de tradições obsoletas.
Como um conjunto de regras disfarçadas de rituais que vêm passando de geração
em geração. Para mim, tradição nunca foi sinónimo de códigos ou condutas.
Sempre foi sinónimo de tudo o resto. Não me interpretes de forma errada: é com
o maior orgulho que uso as tuas vestes. Mas, sinceramente, arrepia-me da mesma
forma a tua imagem ao luar sobre o Mondego. Acredita quando te digo que o sol
de Coimbra é diferente do sol do resto do mundo. É o único sol que me causa um
sorvedouro miudinho nas veias, como se o sangue corresse ao contrário quando me
sento numa esplanada a admirar as tuas árvores, a tua calçada, ou a disposição
de todos os teus edifícios. Nem o musgo, que se vai multiplicando com o tempo
nas tuas paredes, me deixa indiferente. Sinto tudo isso. Sinto como se todos os
dias fossem o último, e a saudade - que nos obrigas a aprender - estivesse ao
virar da esquina. Aprendi a admirar-te porque, para o bem ou para o mal, te
comecei a sentir como uma extensão de mim. E faltam-me as palavras para
descrever o orgulho que é ouvir-te cantada nas tuas entranhas históricas. És
cidade de homens e mulheres em corpos de meninos. Quer queiramos, quer não,
fazemos parte da tua mais refinada elite. Acredito que choras um Mondego de
lágrimas quando fracassamos. Da mesma forma que o teu coração de pedras
ancestrais se contrai de orgulho com os nossos sucessos. Um dia hei-de poder agradecer-te
por tudo. Dificilmente conseguirei ser justo. Agradecer-te por tudo será sempre
uma tarefa hercúlea. Agradeço-te, sobretudo, por me teres dado uma breve
introdução ao amor. Por me teres apresentado um leque tão vasto de amores de
bolso e me teres ensinado a amar de corpo inteiro e tripas de fora. Se hoje
consigo amar como gente crescida a ti te devo. Obrigado.
Serás
sempre recordada por nós como a ponte entre a nossa meninez e a idade adulta.
Tenho pena de quem não teve o prazer de te conhecer. E tenho mais pena ainda de
quem te conheceu, mas não soube amar-te. Assim sendo, este é o conselho que
deixo a quem entra nas tuas portas: vivam como se acabasse amanhã, sintam como
se fosse para sempre.